domingo, 29 de dezembro de 2013

passagem de ano

e pronto
lá se vai mais um ano
prepara-se a festa
compra-se o champanhe
mata-se o ano velho
acolhe-se o ano novo
chim-pum-pum!
chim-pum-pum!
que estranho é este prazer
de dizer adeus ao tempo...

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

o ateu místico

sabem o que é um ateu místico?
nem eu
mas é o que eu sou
um ateu místico

descrente em deus pai todo-poderoso
criador do céu e da terra
e em seu profeta maior
e em seus profetas menores

descrente creio
ó deus das leis
do universo

leis que eu posso compreender
mas que estão lá por estar
sem esforço
nem investigação científica,
antes que alguém pensasse em leis.

o universo é as leis que procuramos no Universo
nem sequer são leis
porque não podem ser desobedecidas.
no universo não há crime
porque não existe transgressão,
porque no universo
as coisas são o que são
e não podem deixar de ser.

o Universo é o grande criador
e também o grande destruidor
e destruindo cria.



quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

a "confusão linguística" dos professores

agora há aqueles professores que não aprenderam, não querem aprender nem querem ensinar a nova ortografia. e que se queixam da "confusão linguística" (será ortográfica?) que eles próprios criaram e alimentam.
mas quem são eles? não são pagos para aplicar as normas e os programas? ou são pagos para não concordar com eles? 
se a moda pega, não ensinam matemática porque não concordam, não ensinam história porque não concordam, não ensinam nada porque não concordam.
mas quem são eles? olha se um instrutor de condução automóvel se recusa a aprender e a ensinar as novas regras de trânsito porque não concorda com elas. olha se um polícia se recusa a prender alguém porque não concorda com a lei...
há professores assim. mas também há quem os deixe ser assim. até quando? 

meus senhores, só existe uma "confusão linguística": a da vossa arrogância. 
já agora, se não concordam, sejam honestos. demitam-se.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

homem livre, digno e honesto

aquilo que se entende por homem livre, digno e honesto parece tão complicado e excecional que se calhar é melhor ser só um homem. e se fôssemos todos livres, dignos e honestos não teríamos necessidade de venerar aqueles que achamos que o são ou foram. 
é que dá muito trabalho ser livre, digno e honesto e é preciso ter tempo para isso. 
às vezes é preciso disposição para ser livre, digno e honesto. é preciso disposição para ser perseguido e preso e até para ser morto - talvez até mais do que para ser um crápula, assassino, mafioso e desonesto. 
e nós, os que apreciamos os homens livres, dignos e honestos, somos apenas homens. sem vagar para sermos outra coisa.
mas, seja como for, também só nos costumam chamar homens livres, dignos e honestos quando estamos presos ou morremos. 
pois é, vale mais estar vivo e ser só um homem. 
digo eu, para não querer ser mais do que aquilo que sou.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

a camionete de motor por dentro

naquele tempo, anos 50, havia umas camionetas de passageiros que tinham o motor por fora. eram as Berliet. 
tinham duas portas: a da frente dava para um corredor com bancos de dois passageiros, de um lado e de outro de um corredor central, perfazendo ao todo uns 20 lugares; a porta de trás dava para o chamado "galinheiro", com duas filas de bancos travessos, virados um para o outro, separados por um corredor também atravessado. 
os bancos da primeira parte da camioneta não tinham comunicação com os bancos do "galinheiro". o "galinheiro" levaria ao todo dez passageiros. ou seja, a geringonça tinha, no máximo, capacidade para trinta pessoas. 
aquelas camionetas, além de pessoas, levavam dentro gigas com ovos e legumes, balaios com galinhas, coelhos, patos e perus, leitões e porcos ao colo das donas, gaiolas de pássaros, enfim, sem falar na carga mais estapafúrdia que levavam no tejadilho - coisa que ainda se hoje se vê muito nos documentários indianos.
e os cheiros eram tantos, tão vários e fortes, que a gente acabava por nem reparar em nenhum.
até àquele dia, era esse o modelo de "camioneta de carreira". chamavam-lhe "chocolateira" ou "chicolateira" porque fazia mais barulho do que andava. mas, enfim, acabava por levar a coisa a bom porto. 
mas os tempos estavam de mudança. 
os meus pais e, à época, os três filhos foram à Romaria Grande de São Torcato.
em Guimarães, para quem não sabe. 
uma enchente! tão grande, que mal cabia uma pulga entre uma pessoa e outra. nunca mais vi semelhante enchente em banda nenhuma, ou, pelo menos, nunca mais nenhuma enchente me pareceu tão cheia. 
de súbito, damos pela falta do pequeno terceiro elemento da fratria. onde estará o menino, que desgraça, ainda não há telemóveis, não há polícia nem guarda, não há quem dê ajuda, só multidão, seguida de multidão, seguida de multidão. se gritássemos ninguém ouvia, tal era o barulho da festa, dos altifalantes e de toda aquela confusão. 
já sem grande esperança, de coração destroçado, partimos em busca do menino, um rapazinho dos seus quatro anos. 
e depois de muito procurar no meio daquele indizível caos, tivemos sorte. um milagre - ainda que, eventualmente, só existam milagres quando o desespero se apaga de repente.
eis que a visão se revela: estava ali, encantado, em êxtase, sem nenhuma noção do susto de morte que nos tinha pregado, nem do risco em que se tinha metido. 
- então, menino, saiste da nossa beira e nem disseste nada? não voltes a fazer isso! 
na sua candura, vira-se para nós e diz com indizível satisfação: 
- está ali uma camionete de motor por dentro!












eram os novos tempos.