naquele tempo, anos 50, havia umas camionetas de passageiros que tinham o motor por fora. eram as Berliet.
tinham duas portas: a da frente dava para um corredor com bancos de dois passageiros, de um lado e de outro de um corredor central, perfazendo ao todo uns 20 lugares; a porta de trás dava para o chamado "galinheiro", com duas filas de bancos travessos, virados um para o outro, separados por um corredor também atravessado.
os bancos da primeira parte da camioneta não tinham comunicação com os bancos do "galinheiro".
o "galinheiro" levaria ao todo dez passageiros. ou seja, a geringonça tinha, no máximo, capacidade para trinta pessoas.
aquelas camionetas, além de pessoas, levavam dentro gigas com ovos e legumes, balaios com galinhas, coelhos, patos e perus, leitões e porcos ao colo das donas, gaiolas de pássaros, enfim, sem falar na carga mais estapafúrdia que levavam no tejadilho - coisa que ainda se hoje se vê muito nos documentários indianos.
e os cheiros eram tantos, tão vários e fortes, que a gente acabava por nem reparar em nenhum.
e os cheiros eram tantos, tão vários e fortes, que a gente acabava por nem reparar em nenhum.
até àquele dia, era esse o modelo de "camioneta de carreira". chamavam-lhe "chocolateira" ou "chicolateira" porque fazia mais barulho do que andava. mas, enfim, acabava por levar a coisa a bom porto.
mas os tempos estavam de mudança.
os meus pais e, à época, os três filhos foram à Romaria Grande de São Torcato.
em Guimarães, para quem não sabe.
em Guimarães, para quem não sabe.
uma enchente! tão grande, que mal cabia uma pulga entre uma pessoa e outra. nunca mais vi semelhante enchente em banda nenhuma, ou, pelo menos, nunca mais nenhuma enchente me pareceu tão cheia.
de súbito, damos pela falta do pequeno terceiro elemento da fratria. onde estará o menino, que desgraça, ainda não há telemóveis, não há polícia nem guarda, não há quem dê ajuda, só multidão, seguida de multidão, seguida de multidão. se gritássemos ninguém ouvia, tal era o barulho da festa, dos altifalantes e de toda aquela confusão.
já sem grande esperança, de coração destroçado, partimos em busca do menino, um rapazinho dos seus quatro anos.
e depois de muito procurar no meio daquele indizível caos, tivemos sorte. um milagre - ainda que, eventualmente, só existam milagres quando o desespero se apaga de repente.
eis que a visão se revela: estava ali, encantado, em êxtase, sem nenhuma noção do susto de morte que nos tinha pregado, nem do risco em que se tinha metido.
eis que a visão se revela: estava ali, encantado, em êxtase, sem nenhuma noção do susto de morte que nos tinha pregado, nem do risco em que se tinha metido.
- então, menino, saiste da nossa beira e nem disseste nada? não voltes a fazer isso!
na sua candura, vira-se para nós e diz com indizível satisfação:
Ando a ler, entre outros, um livro que encontrei numa venda de caridade e que descreve romarias do Minho, começando pela de São Torcato. Intitula-se "Onde vais Maria". Como não o tenho aqui, não lhe sei dizer o autor, de que nunca tinha ouvido falar. É muito irónico, faz pouco do povão.
ResponderEliminarÉ este o livro que refiro. 1º capítulo
ResponderEliminarhttp://www.archive.org/stream/paraondevaismari00sous/paraondevaismari00sous_djvu.txt