quarta-feira, 27 de novembro de 2013

os dois governos

temos dois governos, um negro como breu, outro cor-de-rosa como a Hellow Kitty. 
o cor-de-rosa enveredou pelo discurso gasto, anacrónico, bafiento e perverso dos feitos quatrocento-quinhentistas. agora é que vai ser, diz o primeiro-ministro do governo-cor-de-rosa: os nossos exportadores, quais navegantes de há quinhentos anos, vão por esse mundo fora, sem saberem se vão encontrar no fim um bom negocio. 
mas vão, de peito feito e coiso. às cegas. à aventura, comme il fault
má e infeliz comparação. como se sabe, o investimento quinhentista saldou-se num desastre económico, financeiro, demográfico e militar. 
a isto, o primeiro-ministro do governo negro como breu nada diz. porque, se calhar, não sabe como responder. 
e estes dois governos juntam-se de vez em quando para votarem nos disparates um do outro.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

o peixinho vermelho

o peixinho vermelho está ali. quando me vê, agita-se, vem à tona de água e abre a boca. falo com ele, atendo-o como gostava de ser atendido num serviço público, pego em meia dúzia de folhinhas malcheirosas, daqueles de peixe vermelho comer, deposito-as carinhosamente na água, e pronto. fica ele feliz, recebeu a sua pensão de alimentos, e vive sem mais nem menos, o perfeito parasita, o mamão do Estado-providência. 
só depois é que dou conta que o pobre do peixe não pode deixar de ser parasita. 
fui eu, o deus dele, que o coloquei naquele aquário. 
o pobre coitadinho não sabe transformar-se em empresário de sucesso e sobreviver sozinho, explorando os outros de uma maneira neoliberal correta.
não me atrevo a mandá-lo ir trabalhar, fazer-se á vida, ou emigrar. era indecente. e eu ainda passava, justamente, por ser um refinado psicopata.

os mais desfavorecidos

estou cansado da conversa dos mais desfavorecidos, esse paleio assistencialista de meia-tijela, essa desculpa esfarrapada de quem não consegue melhor que roubar e nada faz para que a economia se desenvola e apague essa mancha dos "mais desfavorecidos".
treta ignóbil, que sai do bolso dos menos-desfavorecidos-menos-favorecidos, que, sem terem nada a ver com a crise, pagam tudo: a crise causada pelos "de cima" e a crise sofrida pelos "de baixo". 
e, no fim, saltam eles tambem, os menos-desfavorecidos-menos-favorecidos, para o rol dos mais desfavorecidos. e aí já não haverá a quem roubar porque aos grandes trutas não se rouba.
deus é realmente grande demais para ver estas coisas. e, assim, viva o neoliberalismo idiota, ou lá que é. 
e quando já só houver "mais desfavorecidos", não se queixem. é só o fim da linha. saiam e vão a pé. mas não tropecem em vocês mesmos.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

polícias e polícias

está tudo doido ou faz-se. a questão da manifestação dos polícias em frente à Assembleia da República não tem outra leitura senão a de que foi evitado um banho de sangue gravíssimo por uma questão minorca: subir ou não subir a escadaria de São Bento.
o corpo de segurança fez a leitura correta. não houve agressões, não houve provocações, não houve violência. foi uma manifestação exemplarmente pacífica. 
caiu um comandante, substituído por outro, que, justamente no discurso de tomada de posse, fez saber que é preciso agir de acordo com a avaliação do que se passa e do seu contexto e resolver a questão do descontentamento e desmoralização das forças policiais. 
o poder não está habituado a ter a polícia contra si. 
e quase me apetece ter desejado que tivesse acontecido o banho de sangue. hoje o governo estaria numa situação insustentável. e era muito bem feito. 
assim, faz de conta que tem algum controle sobre a polícia, quando acaba justamente de o ter perdido. realmente, está tudo doido. ou faz-se.


PS: caberá perguntar, face à sentença recente de um tribunal sobre um polícia que matou em serviço um criminoso em fuga, o que teria acontecido se houvesse um banho de sangue: iriam os polícias das forças de segurança todos presos?
ficaríamos nós sem polícias de uma vez por todas?

domingo, 24 de novembro de 2013

o "homem da Europa de Leste"

entrou no restaurante. lançou uma granada. sequestrou. matou e feriu. 
a coisa vai azedar. só não vê quem não quer.
o homenzinho era da "Europa de Leste"? pode ser. mas vivia em Portugal, com a crise portuguesa, com o desemprego português, com o desespero português, com os eventuais e muito portugueses salários em atraso. não estou a desculpá-lo, até porque já morreu e pronto. nem a ele nem a nenhum dos que a seguir vierem formar a inevitável lista do desespero.
da "Europa de Leste" ou de Portugal ou de outro lugar qualquer. a crise não escolhe etnias. e a revolta também não. não estou a desculpá-los. estou a culpar aqueles que não têm peso nem medida nas decisões que tomam ou que lhes mandam tomar, aqueles que não tomam em conta a humanidade e a dignidade das pessoas. 
aqueles para quem as pessoas de todas as idades são lixo. menos eles próprios, claro.
esses também não têm desculpa.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

portugueses

somos uma merda
somos os maiores
somos uma merda
somos os maiores
(moeda ao ar: somos uma merda)
somos pequeninos
somos enormes
somos pequeninos
somos enormes
(moeda ao ar: somos enormes)
não há meio de sermos
simplesmente o que somos
e muito é
se o formos.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

cousas da vida.

o velhote era um bocado espalhafatoso. gostava de fazer barulho, falar alto no café, por o telemóvel a tocar uma música detestável, das de fugir para não ter que a gramar. 
vi-o ainda há dias, junto com os mesmos amigos de sempre, e sempre nos mesmos preparos. 
deixou de aparecer.
apesar de toda a confusão que provocava nas mesas mais próximas, parece que falta qualquer coisa ali. apagou-se uma luz. era uma luz única. não é possível por uma igual no lugar daquela. 
é assim a vida. aparecer, aparecer, aparecer e desaparecer. 
"já não vem mais? é p'a sempre?" - diria o Má' (Mário) do hospício, que também já deixou de aparecer...

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

da eutanásia

tenho algumas dúvidas sobre a questão da eutanásia. na verdade, oiço muita gente falar sobre eutanásia antes de estar na situação de a querer ou não aplicar. 
já não tenho grande informação das pessoas propriamente ditas que estão na situação de doença terminal. 
talvez estejamos a pensar como pais de crianças, como capatazes de uma estrutura produtiva ou como pessoas que simplesmente têm medo da doença e da morte. 
uma coisa é o prolongamento artificial e porventura desumano de uma vida inviável e sem sujeito. outra coisa bem diferente é o comboio de situações que lhe costumam atrelar. 
se penso nisso, arrepio-me. não consigo a frieza de ver só o caso dos outros. tenho que me colocar na situação. e quando me coloco na situação tendo a deixar a decisão para a natureza. 
ela é a grande decisora, o grande tribunal, a suprema comissão de ética.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

os filhos pródigos

sempre achei a estória do filho pródigo um bocado estranha, contrária à lógica e ao sentido comum de justiça.
ainda outro dia a minha mais nova me chamava a atenção para a razão que, do seu ponto de vista, assistia aos protestos veementes dos filhos cumpridores, previsíveis, assíduos e bem comportados, perante a festa que o pai fazia ao regresso do filho transviado.
confesso o embaraço que senti perante a observação. eu próprio não entendera a lógica da parábola na idade dela, nem muito depois. achava simplesmente que era uma lógica própria dos filhos de deus feitos homens e pronto. mas hoje sei que ela contém um sentido daqueles que faz outro sentido. um sentido de quem tem coração e sentimentos.
dos meus pacientes, há uns que há meses, para não dizer mais de um ano, deixaram de dar sinais de vida. pensava que os tinha perdido, por qualquer razão, minha ou de circunstâncias da vida. desses, vieram hoje três. não posso dizer que regressaram porque, afinal, nunca tinham saído. vieram, simplesmente, porque voltaram a precisar de mim.
e com a alegria que senti por vê-los de novo, lembrei-me da velha parábola do filho pródigo e do sentido que ela faz.

como descobrir um contrista

O verdadeiro contrista é uma pessoa entendida, que domina bem a língua e os meandros da ortografia, da morfologia, da sintaxe, da ortoépia e da prosódia. Por isso, os seus argumentos são sempre irrefutáveis e definitivos. Conhece o Acordo Ortográfico como ninguém, sobretudo aquela parte do Acordo que simplesmente não existe. Ele é o dono da língua e, portanto, ele é que sabe. Torna-se, pois, uma pessoa a evitar custe o que custar, para não sermos apanhados em falso. Assim sendo, dei-me ao trabalho de elaborar uns critérios que ajudam a identificar o perigo e a fugir de imediato a sete pés.

Aqui vão eles.

O verdadeiro contrista:

1º - escreve “Zézinho”, “avózinha” e "sózinho", em lugar de Zezinho, avozinha e sozinho; 
2º - escreve “afim de” em vez de a fim de e “ter a haver” em vez de ter a ver (e a inversa); escreve “à” em vez de há e “houve” em vez de ouve - e vice-versa - ; diz que metrologia é o mesmo que meteorologia mal escrita e escreve “mau estar” em vez de mal-estar.
3º - escreve "fala-se" em vez de falasse e "escrevesse" em vez de escreve-se - e inversamente - e nem sabe qual é a diferença;
4º - pronuncia “sobre”, que quer dizer "por cima", em vez de sob, que quer dizer "por baixo"; 
5º - diz que “anda um cagado de fato na praia”, quando, de facto, anda um cágado na praia; 
6º - gosta de outras frases absurdas como esta, ou ainda piores; 
7º - pensa que os brasileiros são todos ignorantes, atrasados e preguiçosos e que os portugueses são todos sábios, evoluídos e uns moiros de trabalho; 
8º - acha que português só há um, o das Avenidas Novas e mais nenhum; 
9º - ignora a existência do português da Galiza ou acha que o galego é uma língua à parte; 
10º - e por falar nisso, confunde “aparte” com à parte.
11º - usa os acentos para abrir ou fechar vogais, em vez de os usar para o seu fim normal: a indicação da sílaba tónica;
12º - acredita que em Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor Leste, ao contrário do Brasil, só se fala português e do bom - o das Avenidas Novas;
13º - irrita-se por um natural do Egito ser egípcio, mas não diz nada sobre um habitante de Chipre ser cipriota, ou um habitante da Hungria ser húngaro, ou um habitante de Ceilão ser singalês, ou um habitante de Madagáscar ser malgaxe, ou um habitante do Mónaco ser monegasco;
14º - acha que a velha ortografia foi comunicada aos portugueses por Deus Pai Todo-poderoso, num dia luminoso e quente de primavera;
15º - é claro, confunde ortografia (norma escrita) com ortoépia (norma da fala). mas isso já é demais para ele. até acha que quem adotar a nova ortografia passará a falar "brasileiro", mas os brasileiros que passaram a usar a nova ortografia, esses não passaram a falar "português" - o que é estranho;
16º - também há o contrista que "não está bem esclarecido", nem nunca estará, porque também não procura estar, e por isso "não ri nem chora", e continua na mesma;
17º - quando é apanhado, e independentemente das razões, o contrista continua contra e pronto. porque é baril e coiso.
18º - quando acha que está em maioria, queixa-se da ditadura da minoria; e quando acha que está em minoria queixa-se da ditadura da maioria.
19º - acredita  que a nova ortografia é uma "negociata" das grandes editoras, mas esquece que o contrismo é a "negociata" de algumas pequenas editoras com medo da concorrência do Brasil e de alguns tradutores com medo que lhe comam o bolo. Fora isso, acha que o país está em crise económica e financeira e todos os negócios são bem-vindas, tanto mais quanto maiores forem.
20º - acha-se no direito de não concordar com o Acordo Ortográfico, coisa de Academias e política da Língua, mas não acha estranho que ninguém pedisse a concordância de ninguém com as normas ortográficas anteriores.
21º - queixa-se de ser obrigado a aprender e a ensinar a nova ortografia, mas nunca se queixou de ser obrigado a aprender e a ensinar a ortografia antiga.

É um cromo...


Cuidado. Eles andam aí!

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

a nova ortografia

A nova ortografia é leve, suave e doce. É à prova de xenofobia, arrogância e chauvinismo. Não contém "c" e "p" mudos, nem outros aditivos. É agradável ao paladar. E sobretudo não morde. 

Gostava de esclarecer que não tenho que me pronunciar sobre a nova ortografia porque também não tive que me pronunciar sobre a velha; que não me sinto constrangido a escrever da nova maneira, porque também não me sentia constrangido a escrever da maneira antiga; que não tive nada a ver nem fui consultado sobre a nova ortografia, mas também não tive nada a ver nem fui consultado sobre a ortografia anterior. As coisas são o que são. Quem está de fora racha lenha. Mas lá que gosto mais da ortografia nova, isso gosto.

E sobretudo, não tenho que ser a favor nem contra. Seria demasiada vaidade e arrogância. Escrevo nela, simplesmente.

Mas se há por aí quem não goste, se há por aí quem se ache entendido, mais que os entendidos, se há por aí quem se sinta superior aos outros falantes e escreventes, pois que façam o favor de ser antiquados e chauvinistas. Mas que não me chateiem.

Não há nenhum ódio à nova ortografia. Isso é demais para os contras. A elaboração "teórica" do "exército dos 6000" não chega lá. Eles primeiro sentem e só depois argumentam "à la carte", consoante o que sentem. O que existe é um ódio ao Acordo, por ter sido feito com países que, ao que eles na sua soberba pensam, "falam mais mal Português do que nós". Ou seja, "eles que escrevam como nós e é se querem". E nós que fiquemos sozinhos, dialetizados, perdidos na hegemonia pacóvia do Inglês.
Eles são muito inteligentes.

Ah, já me esquecia, uma coisa de que os contras se queixam é de serem obrigados a aprender e a ensinar a nova ortografia. Ó xente, é verdade. Mas até agora eram obrigados a aprender e a ensinar a ortografia antiga e nenhum deles se queixou.

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PS: até há pouco, um dos grandes "argumentos" dos contras era o de serem a maioria (inteligente, já se vê) e a maioria é que manda e pronto. Descobriram agora que são minoritários, que não passam, afinal, de uma minoria étnica barulhenta e p'cebe. Que chatice. Agora, a nova ortografia é uma imposição inadmissível da maioria (burra, é claro)!
Será que ainda alguém tem pachorra para os aturar?

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

falar sozinho

falava, falava, falava. gesticulava. acendia um cigarro acabadinho de fazer à mão. e falava, falava, gesticulava e tudo, como numa conversa real, objetiva, do quotidiano. deveria ter os seus vinte e poucos, não tinha mais. o caso parecia sério. 
de sobreaviso, procuro à socapa indícios de um telemóvel. conheci o caso de um que usava o telemóvel para que ninguém dissese que falava sozinho. mas nada. telemóvel nenhum. 
continuava a falar, sem se importar com o efeito que causava nos circunstantes. 
eu creio que ele falava com alguém. só podia estar a falar com alguém. e o caso era manifestamente sério. compreendo. às vezes, a pessoa com quem temos de falar com urgência e seriedade somos nós próprios. sejamos nós mentalmente sãos ou não.

sábado, 2 de novembro de 2013

filhos de deus

o Papa Francisco vai fazer uma sondagem entre os crentes sobre sexo, homossexualidade, aborto e divórcio. 
a coisa promete. é que se deus não tem nem pode ter opinião definida sobre um assunto de que ele, criador, é o primeiro e último responsável, como hão de tê-la, clara, definida e uníssona, as primeiras e últimas vítimas de tamanha confusão criacional? 
eu, por mim, não sei se vou ser inquirido ou se já me expulsaram do partido. mas, se for inquirido, sempre direi que talvez não valha a pena o representante de deus preocupar-se com essas coisas de sexo. por definição, o que deus fez está bem feito. deixe sua santidade funcionar as coisas como elas são. 
sei que vossa santidade já "mandou umas bocas" sobre isso, que deixaram vermelhos muitos cardeais, bispos e presbíteros. "a Igreja ocupa-se demasiado com sexo, homossexualidade, aborto e contraceção". é verdade, ocupa. somos todos "filhos de deus", não somos? e qual é o pai que tem todos os filhos iguais?