segunda-feira, 11 de novembro de 2013

como descobrir um contrista

O verdadeiro contrista é uma pessoa entendida, que domina bem a língua e os meandros da ortografia, da morfologia, da sintaxe, da ortoépia e da prosódia. Por isso, os seus argumentos são sempre irrefutáveis e definitivos. Conhece o Acordo Ortográfico como ninguém, sobretudo aquela parte do Acordo que simplesmente não existe. Ele é o dono da língua e, portanto, ele é que sabe. Torna-se, pois, uma pessoa a evitar custe o que custar, para não sermos apanhados em falso. Assim sendo, dei-me ao trabalho de elaborar uns critérios que ajudam a identificar o perigo e a fugir de imediato a sete pés.

Aqui vão eles.

O verdadeiro contrista:

1º - escreve “Zézinho”, “avózinha” e "sózinho", em lugar de Zezinho, avozinha e sozinho; 
2º - escreve “afim de” em vez de a fim de e “ter a haver” em vez de ter a ver (e a inversa); escreve “à” em vez de há e “houve” em vez de ouve - e vice-versa - ; diz que metrologia é o mesmo que meteorologia mal escrita e escreve “mau estar” em vez de mal-estar.
3º - escreve "fala-se" em vez de falasse e "escrevesse" em vez de escreve-se - e inversamente - e nem sabe qual é a diferença;
4º - pronuncia “sobre”, que quer dizer "por cima", em vez de sob, que quer dizer "por baixo"; 
5º - diz que “anda um cagado de fato na praia”, quando, de facto, anda um cágado na praia; 
6º - gosta de outras frases absurdas como esta, ou ainda piores; 
7º - pensa que os brasileiros são todos ignorantes, atrasados e preguiçosos e que os portugueses são todos sábios, evoluídos e uns moiros de trabalho; 
8º - acha que português só há um, o das Avenidas Novas e mais nenhum; 
9º - ignora a existência do português da Galiza ou acha que o galego é uma língua à parte; 
10º - e por falar nisso, confunde “aparte” com à parte.
11º - usa os acentos para abrir ou fechar vogais, em vez de os usar para o seu fim normal: a indicação da sílaba tónica;
12º - acredita que em Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor Leste, ao contrário do Brasil, só se fala português e do bom - o das Avenidas Novas;
13º - irrita-se por um natural do Egito ser egípcio, mas não diz nada sobre um habitante de Chipre ser cipriota, ou um habitante da Hungria ser húngaro, ou um habitante de Ceilão ser singalês, ou um habitante de Madagáscar ser malgaxe, ou um habitante do Mónaco ser monegasco;
14º - acha que a velha ortografia foi comunicada aos portugueses por Deus Pai Todo-poderoso, num dia luminoso e quente de primavera;
15º - é claro, confunde ortografia (norma escrita) com ortoépia (norma da fala). mas isso já é demais para ele. até acha que quem adotar a nova ortografia passará a falar "brasileiro", mas os brasileiros que passaram a usar a nova ortografia, esses não passaram a falar "português" - o que é estranho;
16º - também há o contrista que "não está bem esclarecido", nem nunca estará, porque também não procura estar, e por isso "não ri nem chora", e continua na mesma;
17º - quando é apanhado, e independentemente das razões, o contrista continua contra e pronto. porque é baril e coiso.
18º - quando acha que está em maioria, queixa-se da ditadura da minoria; e quando acha que está em minoria queixa-se da ditadura da maioria.
19º - acredita  que a nova ortografia é uma "negociata" das grandes editoras, mas esquece que o contrismo é a "negociata" de algumas pequenas editoras com medo da concorrência do Brasil e de alguns tradutores com medo que lhe comam o bolo. Fora isso, acha que o país está em crise económica e financeira e todos os negócios são bem-vindas, tanto mais quanto maiores forem.
20º - acha-se no direito de não concordar com o Acordo Ortográfico, coisa de Academias e política da Língua, mas não acha estranho que ninguém pedisse a concordância de ninguém com as normas ortográficas anteriores.
21º - queixa-se de ser obrigado a aprender e a ensinar a nova ortografia, mas nunca se queixou de ser obrigado a aprender e a ensinar a ortografia antiga.

É um cromo...


Cuidado. Eles andam aí!

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