quarta-feira, 19 de novembro de 2014

vale mais deitar fora este país e fazer outro

é tanta a corrupção, tantos os braços do polvo, tantos os laços e atilhos, que já não há nada que limpe Portugal e o torne um lugar de respeito.
acho que o melhor é deitar fora este país e fazer um novo. de preferência com outro nome.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

a minha morte de deus

de todas as mortes com que lidei, a que mais me custou foi a morte de deus.
vivi com ele desde pequenino. via-o, ou melhor, imaginava-o, uma espécie de pai, bom quando me portava bem, mau quando me portava mal, nem bom nem mau quando me esquecia dele.
e assim vivi.
um dia, sem mais nem menos,disse-me:
- vais ter que te governar sem mim, estou muito doente. tenho o mal da inexistência.
- como assim, o mal da inexistência?
- eu, este que tu imaginas do fundo dos teus enigmas, não existo. posso ser outra coisa, mas não esse. posso ser tudo o que existe, um tudo de que tu fazes parte também. um tudo que existe desde sempre e jamais acaba, um tudo que se faz, refaz e desfaz e volta a fazer e a refazer eternamente. um tudo que é templo e geómetra de si mesmo.
e, subitamente, deixou cair a cabeça e desfaleceu.
fiquei órfão.
tentei acordá-lo, reanimá-lo, tentei negar a morte dele.
por fim, deixei que o deus de que ele me falou seguisse as suas próprias leis.


e, imerso nas leis desse deus, tive de começar por mim o meu Caminho.







segunda-feira, 3 de novembro de 2014

requiem

"requiem" quer dizer "descanso" e consiste num cerimonial e numa música destinada aos mortos recentes, acabadinhos de morrer ou mortos há poucos dias.
vem da ideia de que morrer é descansar.
infelizmente, é um descanso muito cansativo, como estar de férias mais de três semanas seguidas.
por isso, os mortos ao fim de trinta dias devem ficar fartos de tanto descanso.
digo eu.
e se virmos que se trata de um descanso eterno, a coisa torna-se uma condenação, uma pena perpétua propriamente dita. um inferno.


podia haver uns intervalos de vez em quando. uma espécie de jubilação com direito a fazer uns biscates. sempre era mais animado.
deus, vê lá isso...

sábado, 1 de novembro de 2014

publiciência

a velocidade a que a "ciência" produz artigos que alertam para os prodígios, vantagens e malefícios de muitos produtos, recursos, alimentos e até drogas tem a ver com a desnacionalização da produção científica, o desinvestimento público e o sistema de financiamento privado, ficando as universidades à mercê dos patrocínios de muitos mecenas interesseiros. 
assim sendo, o resultado da investigação é o pretendido pelos financiadores. a investigação deixa de ser ciência e passa a ser publicidade ou contra-publicidade. 
o fenómeno, que é particularmente evidente nas universidades americanas, ameaça estender-se e contaminar as universidades europeias, sobretudo depois da implantação do neoliberalismo e da sua querida "austeridade".

outra vez o leite de vaca

não sei a quem serve a teoria e os estudos "científicos" que tentam comprovar os malefícios do leite de vaca. 
sei que cada vez se vende mais leite de soja. e "laticínios" de soja. 
mas isso, provavelmente, é só uma importuna coincidência. 
o mais provável é que seja uma inovação revolucionária, daquelas a sério, que vai transformar de vez a nossa existência. 
é que o leite de vaca (e, já agora, o de ovelha, de cabra ou de camela) tem sido utilizado pelos nossos antepassados desde o Neolítico. 
convenhamos que o Neolítico é uma civilização fora de moda. antes de mais, porque os neolíticos morriam todos e alguns até tinham fraturas ósseas, sem saberem que era por causa do leite. 
e tanto não sabiam que até se davam ao luxo de o transformar em manteiga, queijo, queijadinhas, requeijão, leite creme e iogurtes. 
a nefasta ideia foi passando de geração em geração sem que os pobres descendentes se dessem conta da razão por que morriam ou por que tinham fraturas ósseas na pós-menopausa. 
mas, felizmente, agora sabemos: as pessoas que bebem leite morrem. 
e era tão fácil, afinal, viver para sempre: era só não beber leite! 
bingo!
infelizmente, para mim a descoberta já vem tarde demais. já bebi muito leite. não sei se ainda vou a tempo de não morrer.



sexta-feira, 31 de outubro de 2014

deus


bom, falemos de deus. 
para mim, deus e o universo são uma e a mesma coisa, aquilo a que chamamos bem e aquilo a que chamamos mal, os predadores e as presas, o dia e a noite, o ferro e a água, o arquiteto e o demolidor. o que está certo e o que está errado, o paraíso e o inferno, o bom e o mau tempo, a estabilidade biológica e as pragas. 
deus, esse tal que só não se criou a si mesmo porque não foi preciso: sempre existiu e sempre existirá, numa forma ou noutra, antes e depois do nosso Big Bang. 
e digo "nosso", porque bem de certo houve outros e haverá outros depois, noutros tempos, noutras bandas, noutras dimensões. 
um deus tão diverso e tão contraditório que egípcios, gregos, romanos, indianos e muitos outros o dividiam, ou dividem ainda, por centenas de personagens, masculinas e femininas, cada qual com seu feitio e artes. 
judeus, cristãos e muçulmanos dividem-no em dois: o propriamente dito e o diabo. por sinal ambos masculinos. por sinal, um impassível, mono, quieto, imobilista, misericordioso e pai; o outro traquina, desobediente, experimentalista, quiçá o mau filho. 
um observa candidamente, o outro faz. 
deus é o Universo, o Verbo, isto é, deus é uma palavra. 
(talvez continue...)

a insubtileza

contou-me um amigo e colega. custou-me a acreditar, mas pelos vistos é mesmo assim. 
disse-me ele: 

"- adotei uma gata numa associação pró-animais, sob o compromisso escrito de a tratar como rainha dos bichos e de a esterilizar no tempo próprio, para evitar as sucessivas ninhadas de príncipes que não há Orçamento de Estado que os aguente. 
e o tempo próprio chegou. 

como a associação tinha um protocolo com uma clínica veterinária cá da parvónia, a complicada intervenção cirúrgica ficava-me por 50 euros. 
a intervenção foi marcada. 
sucede que, por mero acaso, a estória foi comentada entre família. e logo o grande cirurgião veterinário da tribo, sabendo que no dia seguinte à intervenção já programada eu iria deslocar-me à cidade grande, se disponibilizou para capar a bicha. 
aceitei a oferta, tanto mais que ter um cirurgião veterinário na família não é coisa de que qualquer um se possa gabar.
correu tudo lindamente. 
a clínica estava felizmente às moscas. 
à saída passei pela receção. achei que era uma medida meramente protocolar. 
qual não é o meu espanto, espetam-me com uma conta de 160 euros. 
merda, pensei, afinal sou médico e familiar próximo, com mil diabos!"


olhei para ele e ri-me com vontade: 
- és mesmo um tolo, acaso a tua gata é médica ou da família?

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Inch' Allah

o presidente executivo da Apple anunciou urbi et orbi a sua homossexualidade: "tenho orgulho em ser gay e considero o facto de ser gay como o maior dom que Deus me deu". 
é claro, homossexual "pola graça da deus". parece os muçulmanos, que não dizem uma frase sem meter deus ao barulho. 
é bom de ver que deus, eu e mais uns tantos nos estamos nas tintas para a homossexualidade do senhor. 
mas...e se os heterossexuais anunciassem que são heterossexuais com muito orgulho e graças a deus? "se deus quiser", não irá ser preciso. inch' Allah.


terça-feira, 28 de outubro de 2014

ficar calado e aguentar

é difícil escrever qualquer coisa que não meta política. 
só um ser etéreo e alado, liberto das preocupações mesquinhas que assolam o ser humano, se pode dar ao luxo de ignorar a política, sobretudo no que ela tem de mais desprezível: a arrogância e o desdém pela sorte das pessoas, o desprezo pela felicidade e bem-estar dos outros, a fanfarronada do interesse dos mercados, a salvaguarda dos mais poderosos, o tratar das pessoas como números, como números que podem encolher até ao infinito.
é difícil escrever qualquer coisa que não meta desta política. 
mas mais difícil ainda é ficar calado e aguentar.

domingo, 26 de outubro de 2014

política hoje

a política deixou de ser a dialética entre opções e soluções, a arte de governar melhor, e transformou-se num lamaçal onde cada qual tenta encontrar um pouco mais de lama no vizinho. 
e assim é difícil. 
eu sei que os melhores, os que são mais competentes, não podem estar na política, porque não lhes pagam em função da sua competência. quem é competente vai pregar para outras freguesias, onde lhes pagam o que merecem. e, assim, a política deixa de ser o lugar da competência e passa a ser o campo do chicoespertismo medíocre e da corrupção mais desgraçada. 
hoje, muitos políticos não são já os gestores da coisa pública que orienta a vida dos privados, passaram, antes, a ser correia de transmissão de interesses privados que se movimentam à custa da coisa pública. 
porque, assim, logo que saiam do sacrifício, alguém lhes oferecerá um bom lugar, talvez mesmo as 70 virgens do paraíso muçulmano. 
por isso mesmo, além de incompetentes são jovens demais para serem políticos. logo, são duplamente incompetentes. 
hoje, o que temos já não é tanto uma crise política partidária ou uma crise de credibilidade da política. o que temos não é sequer política. é uma merda. uma merda que merecemos.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

procissões laicas

a população de Coimbra vai caminhar amanhã "contra o cancro da mama". 
a procissão sairá da praça da República, pelas 15,00 h, desce por ali abaixo e termina no Parque Verde. 
integradas no Mês Internacional de Prevenção do Cancro da Mama, realizar-se-ão, em simultâneo, procissões idênticas em sete cidades da região Centro. 
pelas suas propriedades, estas procissões têm sido muito aconselhadas na diabetes sedentária, mas espera-se que também atuem no cancro da mama. 
tanto mais que no fim da procissão decorrerão várias iniciativas relacionadas com a doença, tais como DJs, saltimbancos, aula de zumba, fanfarra de bombeiros e pinturas faciais. 
quem quiser processionar paga 5 euros e ainda recebe um kit com uma t-shirt muito útil, uma garrafa de água e folhetos informativos. imperdível.

terça-feira, 22 de julho de 2014

os politicamente corretos e a Guiné Equatorial

devo exprimir claramente a minha opinião sobre o caso da Guiné Equatorial. 
os mesmos puristas e isolacionistas de sempre estão muito preocupados com a ditadura do senhor Obiang, em lugar de estarem preocupados com a expansão e influência do nosso idioma. as ditaduras passam e o idioma fica. 
sei que, felizmente, os outros membros da CPLP estão-se nas tintas para os nossos pruridos e arrogâncias. a coisa é ao contrário: não deve ser a Guiné Equatorial que deve ser um exemplo de democracia impoluta antes de entrar para a CPLP, deve ser a CPLP, primeiro, um espaço de convívio democrático. 
não deve ser o aluno que vem à escola cheio de sabedoria ensinar colegas e professores, deve ser a escola a dar-lhe a sabedoria que procura. 
e, já agora, quantos Estados da CPLP são assim tão impolutos democraticamente? 
bem-vinda, Guiné Equatorial!

sexta-feira, 18 de julho de 2014

"Professores contra o Acordo Ortográfico"

há por aí um grupelho intitulado "Professores contra o Acordo Ortográfico", que me causa uma sensação de náusea. é simples: não precisamos de professores "contra a nova ortografia".
professores que "não concordem" com as normas oficiais devem sair e dar o lugar a outros. era só o que faltava ter de os aturar. quem julgam eles que são?
como funcionários, a sua função não é questionar as normas que têm de adotar no exercício das suas funções, é cumpri-las.
quem não concorda com as normas que deve aplicar no seu ofício demite-se e pronto.
é assim que procedem as pessoas de bem.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

o padre Fontenla


vai pra uns três séculos. acontece que o padre Fontenla, de São Torcato, Guimarães, antes de ser padre era um homem. por isso, tinha por lá as suas amigas, das quais uma lhe deu uma filha. foi um homem às direitas: educou-a, casou-a e deu-lhe um dote principesco. do padre Fontenla descende uma vasta tribo, da qual tenho a honra de fazer a minha ínfima parte. continuou a haver padres na família, mas não tenho informação de terem ou não sido tão assumidos na sua humanidade.

zé rebelo

nos primórdios de oitocentos, Zé Rebelo, alfaiate, vinha sezonalmente de Ribeira de Pena a Guimarães para despachar trabalhos e encomendas.
uma das paragens da sua caminhada de onze léguas a pé era uma casita em Serafão, espécie de poiso certo, de albergaria só pra ele.
aí, três quartos do caminho andado, tinha cama, mesa, roupa lavada, companhia e assistência a outras precisões.
a mulher que o esperava era uma tal Ana Francisca, a quem Zé Rebelo terá feito pelo menos quatro filhos.
o trabalho de alfaiate não devia correr mal de todo: sustentava esses filhos mais os legítimos e, quem sabe, outros Serafões.
Zé Rebelo é meu antepassado, que deus tenha. e falo nisto porque acho muita graça.

sábado, 5 de julho de 2014

o fio

em Lisboa, finais de 2003. a minha mulher estava grávida de 3 meses. saíamos do restaurante chinês. estava frio e a chover. vestíamos as gabardines, para sair.
um dos chineses, cheio de salameques e tacha arreganhada, diz para minha mulher:
- tem fio?...
- sim, está muito frio...
- não, tem fio no baliga... (e aponta para a barriga, onde mal se notava a gravidez).
- ahahah, sim...
e não era um filho, era uma filha...

quinta-feira, 3 de julho de 2014

os telemóveis

falar ao telemóvel tornou-se um vício terrível. se deixo o telemóvel em casa é como se ficasse sem computador ou sem acesso ao Facebook. fico de rastos.
mas o telemóvel tem as suas vantagens.
primeiro, as meninas da estrada passam o tempo entrequecas a falar ao telemóvel, fazendo de conta que falam com alguém muito poderoso que lhes acudirá em caso de necessidade.
segundo, eu tinha um vizinho esquizofrénico, que ouvia vozes e falava com elas. um belo dia, para disfarçar e ninguém dizer que falava sozinho, comprou um telemóvel. e passava horas a falar com os seus interlocutores. só eu é que desconfiei de tanto falar ao telemóvel e na rua, para toda a gente ouvir. mas fiz sempre de conta que acreditava na cena.





e, terceiro, há muitos mais casos em que o telemóvel dá um jeitão.







terça-feira, 1 de julho de 2014

pão com chouriço, nozes e passas

importantíssimo:
pão com chouriço,
nozes e passas
vai às finanças
com seis por cento
e eu acrescento,
felicíssimo:
não passo sem isso,
caraças!




a propósito da detenção de Nicolas Sarkozy

Nicolàs, Nicolàs,
quem te viu pela frente,
quem te vê por trás...
e a justiça em França,
que chatice,
não é como cá...
por isso eu te disse
entre dois pés de dança
mais vale ser presidente cá
do que ex-presidente lá.


sexta-feira, 27 de junho de 2014

in dubio pro mulieribus

passei uma boa parte da tarde de hoje em conversa com o advogado de um paciente meu. 
um advogado sénior, simpático, sensível e decididamente muito interessado pelo seu cliente. 
trata-se de um daqueles casos tenebrosos de regulação do poder dito "paternal", após um divórcio conflitual. e da intervenção de uma interminável panóplia de técnicos e pareceres, nem sempre isentos, nem sempre imparciais. 
a páginas tantas do processo, o pai (neste caso o meu paciente e cliente do advogado) é impedido de contactar o filho, não pode estar com ele vai para dois anos. 
no processo adensam-se as "provas" e "reprovas" contra as más "vibrações" que a presença do pai provoca junto do filho. 
filho que, no dizer do pai, acaba por ser um "órfão de pai vivo". 
o pai sofre visivelmente. sofre. extremamente ansioso, deprimido, mas obstinado em conseguir voltar ao contacto com o filho. 
quer simplesmente ser pai. mas as coisas estão longe de ser fáceis. a mãe opõe-se. 
e a cultura jurídica portuguesa não o favorece. 
a mãe não quer e pronto. 
in dubio pro mulieribus. 
amen.



a Língua portuguesa "faz hoje 800 anos"

há notícias que conformam um não sei quê de ridículo, e esta é uma delas. 
de acordo com jornais, deputados, intelectuais e que tais, hoje, 27 de junho de 2014, "a língua portuguesa comemora 800 anos". 
é que, nesta data, há 800 anos atrás, o nosso rei D. Afonso II mandou redigir o seu testamento em língua vernácula, isto é, em Galego-português, coisa que aconteceu pela primeira vez, já que até aí os documentos oficiais eram escritos em Latim medieval. 
mas isso tem que ser visto no seu significado e no seu contexto. porque, senão, parece que "faz hoje oitocentos anos" que alguém se lembrou de inventar do nada uma língua nova. 
a mim e a muito boa gente parece outra coisa: parece-me que se Afonso II se lembrou de redigir o seu testamento em língua vernácula é porque esta já existia muito antes e já ninguém entendia o latinório medieval dos tabeliões sem recurso a especialistas. 
quanto à nossa língua, bom, é muito mais antiga que isso. uma coisa é a escrita de documentos oficiais, outra coisa, completamente distinta, é a língua falada efetivamente no dia a dia das pessoas. o próprio rei D. Afonso, certamente, não a mandou inventar de propósito para o seu testamento. há até quem diga que a falava desde que deixou a chucha. e aposto que vai ser muito difícil dizer quando é que a nossa língua começou a ser falada. porque a nossa língua não faz anos, fala-se.


PS: o que D. Afonso II fez foi uma opção política entre a língua "litúrgica" e a língua vernácula em documentos oficiais, um processo recorrente ao longo da história, quer em assuntos civis quer em assuntos religiosos. por exemplo, as Igrejas Coptas mantêm o Copta como língua litúrgica, apesar de extinta há quatro séculos e apesar de os fieis falarem Árabe; já a Igreja Católica Romana, nos inícios dos anos 60 do século XX, por ação do Concílio Vaticano II, substituiu a língua litúrgica, o Latim, pelas línguas vernáculas faladas em cada país. ora, as línguas vernáculas já lá estavam e continuaram. o que acabou foi o Latim. por isso se pode afirmar que o testamento de D. Afonso II não marca o nascimento do Galego-português, o que marca é a morte do Latim (medieval) como língua tabeliónica em Portugal.



terça-feira, 24 de junho de 2014

o Assis

o Assis, mui previdente,
com a política à míngua,
sofreu um grande acidente:
o gato comeu-lhe a língua.

o Assis desapareceu,
ninguén' o ouve nem vê.
ou foi um ai que lhe deu
ou ele sabe porquê.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

noite de são joão

deus fez os homens assim
e fez as mulheres assado.
assim como assim
dois rios confluentes:
as mulheres inocentes
e os homens culpados.
no solstício de verão
na noite de São João
anda tudo à martelada
mas que grande confusão
que vai aqui e além
nesta noite abençoada
porque a culpa, entretanto,
não é de ninguém
é do santo.

a matemática

adoro a matemática
a mais fleumática
e a menos certa,
a menos dançante
e a mais acrobática.
adoro a fórmula, a equação,
que até a trovoada tem.
é a linguagem de deus,
ou, se quisermos, também,
o contradiscurso de satã.
ou se quisermos, porém,
a linguagem das coisas
como as coisas são.
umas vezes certas, exatas,
outras incertas e chatas
e outras nem sim nem não.
mas sempre matemática.
até o sexo oral é matemática
e sendo a pensar em Jesus Cristo,
não é pecado, está visto.

domingo, 22 de junho de 2014

atriz foi a Fátima, deus chamou-a e fez-se freira

uma atriz e modelo espanhola foi a Fátima, ouviu o chamamento de deus e tornou-se freira.
eu já fui a Fátima várias vezes e deus nunca quis saber de mim.
isto é, não sei se me chamou se não.
pode ter falado naqueles comprimentos de onda para os quais sou um bocado surdo, surdez que se agrava com o andar da idade.
mas compreendo que haja pessoas que, ouvindo muito melhor que eu, e com ouvidos muito mais jovens, o oiçam de uma forma tão intensa que tenham de o seguir compulsivamente.
não digo isto para fazer pouco, digo isto para fazer muito.
é que, como dizia o filho de deus, quem tem ouvidos para ouvir que oiça, que quem não tem também não tem culpa.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

evolução e progresso

há instituições que falam de progresso e de evolução, mas baseiam-se em princípios, mitos e conhecimentos imutáveis desde há, pelo menos, 6000 anos.
gosto destas contradições. sempre é melhor do que andar às arrecuas.
e não estou a dizer mal dessas instituições. estou a rir-me da ideia de evolução e de progresso.
então hoje em dia estamos num evolução involutiva e num progresso doidos.
e desses mitos antigos (saberes não comunicáveis através de escrita) e saberes e filosofias milenares, a malta de hoje não cheira uma.
não é preciso.
o pessoal contenta-se, na melhor das hipóteses, com guidelines e artigos científicos.
e é preciso andar numa Escola Superior, num mestrado ou num doutoramento. porque, fora isso, nem isso querem saber.

ah, e já me esquecia, e também temos aqueles cromos com a evolução e o progresso na boca e que escrevem pela ortografia antiquada.

adotar animais

tenho visto por aí uns cartazes que apelam à adoção de animais. está bem. não havendo outras prioridades, até que é uma ideia simpática.
mas depois dizem: "e esterilize-o".
e aí a minha cabeça estala.
afinal o amor não é pelos animais, é pelo animal adotado. quero dizer, pelo bibelô que mexe.
até dizem as más línguas (ele há-as a propósito de tudo) que os bichinhos são adotados não para nós gostarmos deles mas para eles gostarem de nós.

ilgas e besilgas

por que razão @ ILGA, a LGBT e aparentados não se constituem em partido político, em lugar de utilizar os partidos "generalistas", designadamente o PS, como barrigas de aluguer?
na CDU (PCP+Os Verdes) há um partido, "Os Verdes", que tem mais de vermelho que de verde. 
mas no PS há Ilgas que são mais ilgas que PSs, quero dizer, mais ilgas que socialistas ou sociais-democratas. 
a questão não é de somenos. 
é que ilgas e besilgas sentem-se no direito de contestar ou condicionar as escolhas de candidatos à Presidência da República, dentro do partido em que "militam", designadamente o PS. 
estão no seu direito. mas que o façam pelo valor que têm. como partido próprio, não em barrigas de aluguer.
assim, comportam-se como um partido "especialista" parasita de um partido "generalista". 
eu não sou contra nem "fóbico" (como agora se diz) seja do que for, não sou é suporte de causas que não são as minhas. eles que exprimam a opinião que têm, que eu trato de exprimir as minhas. 
na verdade, @ ILGA tem todo o direito de existir, expor as suas opiniões e lutar por elas. a democracia é isso. mas confundir @ ILGA com um partido político "generalista", ainda que a título de opinião individual, é não só estapafúrdio como suicida. 
pessoalmente, não tenho nada que ver com as opiniões d@ ILGA, nem a favor nem contra, nem antes pelo contrário. digo é que em questão de defesa dos direitos das mulheres, por exemplo, a ILGA, felizmente, está muito longe de ter o exclusivo. creio até não cometer nenhum erro de apreciação se disser que em Portugal já nem existe ninguém que os não defenda.
e é por essas e por outras que não há PS que me valha. 
faz maus negócios...

terça-feira, 17 de junho de 2014

liberdade de expressão

em questão de direito de livre expressão e democracia, há que ter em conta as opiniões, os palpites e as bocas.
as bocas são as que eu gosto mais de ler e de ouvir. não têm fundamento nenhum, apeteceu dizer e pronto. já os palpites inspiram-me algum temor reverencial, porque vem do fundo do irracional e eu fujo do irracional como o diabo foge da cruz.
finalmente, as opiniões: são terríveis, porque juntam um pouco de boca com um cheirinho de palpite e uma enorme carga de informação e racionalidade.
e ainda por cima temos que as respeitar.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

o estranho casal McCann

o casal McCann tem-nas boas: levanta um processo de indemnização a Gonçalo Amaral no valor de € 1 200 000 e queixa-se de que o malvado, de propósito e à má fé, só entregou na manhã das alegações finais o pedido de renúncia ao seu advogado, fazendo-os, vejam lá, perder dias de trabalho, ter despesas de avião e hotel, táxis, tapas, bebidas e taxes free, e deixar os filhos não sei a quem. 
de facto, o Gonçalo podia ter feito isso antes, a tempo de evitar tanto sofrimento e tantos incómodos e despesas ao pobre coitado do british couple. 
mas não quis. 
e está no seu pleníssimo direito. 
quem levantou o processo não foi ele, foram os McCann. 
que se amanhem.
e que deus tenha piedade deles, porque eu estou-me nas tintas.

domingo, 15 de junho de 2014

o avião abatido

a estória do avião militar ucraniano abatido pelos separatistas pró-russos faz-me pensar. 
o avião militar, como é normal, levava militares lá dentro, os quais, malvadamente, também foram abatidos. se o avião fosse pró-russo seria abatido também com militares lá dentro. mas desta vez, a morte dos militares seria normal, uma consequência direta da guerra. quiçá, com toda a probabilidade, um feito heroico da alma nacional ucraniana, seja isso o que for. 
mas a questão, porém, não é essa.
é a forma como hoje os jornalistas e os mídia dão as notícias. 
não são capazes de relatar coisa nenhuma de uma forma descomprometida, de um jeito independente, sem "parti pris". 
hoje, a primeira coisa a saber em qualquer notícia é quem a dá e a que fação pertence. 
porque se pertence à fação dos "bons", de certeza que os "maus" só fazem barbaridades.





post scriptum: os "bons" quando querem abater um avião recolhem primeiro a tripulação militar, oferecem-lhe um copo, e só depois abatem o avião. e assim é que deve ser. mas com os "maus" é a selva: abatem tudo de uma vez.

domingo, 8 de junho de 2014

tempestades.

há que ter calma, bom feitio e, se possível, experiência.
não se combate uma tempestade com outra.
o bom é abrigar-se e deixá-la passar.
durante as tempestades pode fazer-se mais estragos fazendo alguma coisa do que não fazendo nada.
e, depois, é sempre o mesmo: no fim da tempestade vem a bonança.
e aí é que se vê quem cometeu mais erros ou fez mais coisas acertadas enquanto a borrasca durou.
até porque as tempestades nunca são connosco, são sempre questões entre as forças da natureza.
e digo isto porque às vezes troveja.


a malga de arroz ou a complementaridade das culturas.

certo dia, um homem com ar triste depositava flores no túmulo da esposa recentemente falecida. 
nisto, chegou um chinês sorridente, que gentilmente colocou uma malga de arroz, com dois pauzinhos, na campa ao lado. 
confuso, o homem das flores perguntou: 

 - desculpe a minha curiosidade, mas por que razão é que você trouxe essa malga de arroz e os dois pauzinhos? 
- é para alguém que tenha morrido há pouco tempo. 
- o senhor espera mesmo que algum morto venha comer o seu arroz? 
- claro que sim, quando o seu ente querido vier cheirar o perfume das flores... 






(adaptado de uma estória publicada na internet sem menção de autor)

quinta-feira, 5 de junho de 2014

o gato

tenho uma estória de uma grande amizade com um gato.
andava eu na altura em bolandas com a minha tese de mestrado à moda antiga, que é como quem diz uma tese quase de doutoramento.
à noite, sentava-me à minha secretária a datilografar e a estudar.
o meu gato podia andar por onde andasse, que à hora habitual de eu me sentar à secretária aparecia e vinha por-se a meus pés.
e poucos minutos antes da hora habitual de eu recolher à cama, levantava-se e é como se dissesse: - boa noite!


não precisávamos de mais nada. a nossa amizade era assim.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

redação: o leite

continua a campanha contra o leite. uma campanha com laivos de "cientismo". diz que o leite deve ser retirado da roda dos alimentos. 
tenho que contrapor. 
há muitos milhares de anos que o homem vem desenvolvendo inúmeras receitas e técnicas para aproveitar o leite como fonte de alimento. criou as manteigas, os queijos, os iogurtes, as queijadas, o leite-creme e um nunca mais acabar de receitas onde o leite entra como componente essencial. 
é, certamente, o homem, o único animal que depois da amamentação materna continua a consumir leite e seus derivados. é até o único mamífero que bebe "leite" de soja. como é o único animal que produz vinhos, cervejas, sidras, vodkas e outras, muitas outras bebidas. é o único animal que conserva e cozinha alimentos. é o único animal que come de faca e garfo ou com pauzinhos chineses. é o único animal que consome sal e açúcar à sua vontade. 
é o único animal que tem destas coisas. 
mas também é o único animal que fala e escreve e constrói civilizações.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

austeridade

duas mulheres. desempregadas, sem subsídio de desemprego. 
os maridos ganham um tostão acima do máximo definido para terem direito a subsídios, RSI e assim.
um trabalha, o outro está reformado.
as senhoras estão deprimidas, ansiosas, desesperadas, não dormem, têm aspeto sofredor. 
porventura exagerarão tanto as queixas que acabam por acreditar nelas como as sentem e sofrer ainda mais. vejo que pretendem a "reforma" (jubilação) por doença. 
mas o que elas querem é sobreviver. 
e a "reforma", seja por que método for, na idade delas é a única saída. 
não lhes garanto nada, porque as "juntas médicas", que avaliam as situações e os relatórios de especialistas, não têm contemplações, têm ordens superiores. 
são ainda mais austeras que a própria austeridade.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

batizar extraterrestres

se calhar por distração, o Papa Francisco largou aquela graça de dizer que estaria disposto a batizar até extraterrestres.
fica-lhe bem a intenção, mas a coisa não é assim tão simples.
diante de extraterrestres, é possível que o Papa não seja mais que um chefe índio ou um sacerdote de tribos africanas, sujeito a ser ele o convertido, logo batizado.
porque isto de ser extraterrestre e visitar o nosso planeta tem muito que se lhe diga.
não deve ser obra de chefes índios nem de sacerdotes de tribos africanas, nem equivalente.
é claro que não tenho nada, antes pelo contrário, contra os chefes índios e os sacerdotes africanos, mas é cá um choque de civilizações que nem vos digo nem vos conto.
estará o Papa preparado para enfrentar uma civilização superior?
que irá ele dizer ou fazer que faça sentido para os nossos eventuais visitantes siderais?

domingo, 11 de maio de 2014

estou a ficar um kota

no Concurso Eurovisão da Canção ganhou "uma senhorita" austríaca adornada de barbas à "jesus-cristo". ora, eu acredito que há limites para tudo. até para o mau gosto.
ainda que, evidentemente, o mau gosto seja coisa que muda com os tempos.
seja como for, o que eu não sei é se a Conchita ganhou pelo que cantou - que era o caso do concurso - ou se ganhou pelo mau gosto.
e se foi pelo mau gosto, mais vale esquecer o concurso da canção.
que, aliás, já não frequento.
são novidades demais para mim. estou a ficar um kota.


mas sinto-me melhor assim.




sábado, 10 de maio de 2014

antibióticos "deco"rativos.

a "deco" ("associação de defesa do consumidor") resolveu, uma vez mais, brincar aos doentes e fazer uma "pesquisa" baseada na falsificação de sintomas por parte de pretensos "doentes". 
e desta vez concluiu que há "demasiada prescrição de antibióticos". 
é claro que, há muito que sabemos, sem necessidade de falsificar sintomas, que há demasiada prescrição de antibióticos, mesmo na presença de sintomas autênticos. 
e, muitas vezes, é o paciente que não fica satisfeito se não leva um antibiótico na prescrição. 
mas o "método" da "deco" é, no mínimo, execrável. 
ir ao médico de propósito para o enganar e o apanhar no engano não é digno. 
é muito pior do que prescrever antibióticos para sintomas falsos. 


cada um tem o que merece.




sexta-feira, 9 de maio de 2014

voz ativa...

entretanto, fui lendo coisas sobre políticos americanos, europeus, asiáticos, etc. e tal, mas sobretudo americanos, sobretudo "tea party", sobre gente de bom aspeto, sobre gente demasiado rica, sobre gente que não se sabe de onde lhe vem o que tem, sobre os trustes das armas e das drogas, armas para lá, drogas para cá, sobre como se espalham guerras para vender armas e como se trazem as drogas para o "Primeiro Mundo", sobre como se fazem as coisas nesse planeta. 
estarrecido é pouco. 
convenci-me de que vivemos num mundo onde por cima da vida normal, tão por cima que ninguém lhes chega, há um inferno de gente que manda em tudo, que controla tudo, que suga tudo. que decide do que é verdade e do que é mentira, do que é o "lado bom" e o "lado mau", do que "democrático" e do que é "ditador". 
e, acima de tudo, quem diz estas coisas concerteza é louco. 
e nós a pensarmos que temos algum poder, alguma voz ativa...




domingo, 27 de abril de 2014

novos santos

temos dois santos novinhos em folha. por sinal Papas. 
a coisa já estava em marcha quando Francisco chegou. e também não é por aí que o Francisco borra a pintura. fez bem em não mexer no assunto e deixá-lo seguir os trâmites até ao fim. na Igreja há de tudo e não é bom pastor o que divide as ovelhas. 
e fez ainda melhor ao dizer que coloca ao serviço dos pobres o ouro do Vaticano. já vi quem criticasse até isto, dizendo que o oiro acaba antes de acabarem os pobres. mas nisto, quando se quer mexer em alguma coisa, é-se preso por ter cão e preso por não ter. se não fizesse nada pelos pobres, aqui d'el rei que era um sovina e um especulador financeiro. não tenho pachorra para essas críticas. 
quanto ao caso dos Papas e do respetivo processo, é claro que há que dar à coisa da "santidade" um ar de gravidade e seriedade superior ao sentir da populaça. 
o "milagre" é uma boa peneira. ainda que os "milagres" se esgotem no setor da saúde, o que eu, como médico, entendo muito bem. o facto de haver "milagres" em todas as religiões aponta para mecanismos psico-imunitários complexos em que a projeção das dificuldades num ente afetivo mais ou menos virtual, ou até imaginário, pode por em marcha processos de reposição do equilíbrio físico e psíquico. 
não acredito em santos nem deixo de acreditar. já tive na vida momentos em que tive de projetar nessas figuras grandes e muito difíceis problemas. e por isso ou por qualquer outra razão, o resultado não podia ser melhor.
bem-vindos ao panteão, senhores santos novos.

médico a sério

não tenho tido muitas oportunidades de mostrar as minhas habilidades médicas em público, quando alguém se sente mal ou tem um acidente. 
mas ontem aconteceu. alguém se sentiu mal, alguém me reconheceu e zás, lá saltei para a ribalta. 
o maior problema são os mirones, que acorrem de todos os lados, cada qual com suas dúzias de olhos e palpites. 
mandar afastar e calar os espectadores é a parte mais difícil da cena. 
mas o melhor da festa foi o orgulho visível da minha mais nova por ter um pai médico a sério. 
estava convencida que eu era só psiquiatra.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

união Europeia?


ora bem, temos uma União Europeia, uma moeda única e era de supor que tivéssemos uma política de igualização solidária do ponto de vista orçamental e financeiro. 
uma União parece-me que seja uma coisa assim desse tipo. 
os orçamentos excedentários de uns devem cobrir os orçamentos deficitários de outros. caso contrário, para que serve a União? 
mas o que acontece é que os Estados mais "ricos" impuseram um pacto de espartilho aos Estados mais "pobres", como se todos os Estados da União estivessem no mesmo plano económico e social (e por que haveriam de estar?). 
é o chamado "Pacto Orçamental", que faz com que todos os Estados signatários tenham as mesmas regras financeiras, como se fossem todos iguais. e têm de produzir todos ao mesmo tempo cada qual o seu DEO - "documento de estratégia orçamental". 
um tal pacto o que produz é riqueza para os mais "ricos" e pobreza para os mais "pobres", fugindo à regra da complementaridade solidária e fazendo com que os Estados mais "ricos", para quem a União interessa pela livre circulação dos seus produtos, só tirem a parte melhor do sistema, evitando a parte mais desagradável, que é a de contribuírem solidariamente para o desenvolvimento dos mais "pobres". 
e com isso matam a União. primeiro, porque ela mata os Estados que não têm uma economia do tipo dos Estados "mais fortes"; segundo, porque em última análise acaba, mais tarde ou mais cedo, por destruir as vantagens que os Estados "mais ricos" tiram da União económica, financeira e política. porque Estado "mais pobre" não compra a "rico". 
então, ou os "Estados ricos" mudam de política rapidamente, ou adeus União Europeia e moeda única. 
e quero ver os "ricos" a vender aos "pobres" aquilo que produzirem.

sábado, 19 de abril de 2014

páscoa

a natureza enche-se de uma fúria criativa. 
a semente caída à terra tem que "morrer" para soltar-se em uma nova vida. 
chamem-lhe Cristo, Paixão, Ressurreição, e não lhe chamarão asneira alguma. 
é tudo uma questão de níveis e de símbolos. 
podem chamar-lhe Ishtar, a deusa da fertilidade, Éostre, Easter, Páscoa, é tudo o mesmo: morrer e renascer, sexo e multiplicação, ovo e coelho. 
"crescei e multiplicai-vos".

.

domingo, 13 de abril de 2014

acordar só para ver o sol

este doce não acontecer coisa nenhuma
deitar-me e acordar só para ver o sol
ser de vez em quando não ser nada
porque não me apetecem pensamentos
que bom não ser nada
que bom não acontecer coisa nenhuma
que bom não pensar nem despensar
deitar-me e acordar só para ver o sol
ah, apetecem-me coisas
que isto de querer acordar só para ver o sol
já é apetecer-me alguma coisa
e se acordo e vejo o sol
já é muito mais
do que não acontecer coisa nenhuma.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

a autenticidade dos evangelhos

as notícias rezam que cientistas comprovam a veracidade (ou será autenticidade?) do "evangelho da esposa de Jesus". e, independentemente da sua veracidade, mesmo que autêntico, esse novo evangelho dá-me que pensar. ao contrário do que é mais imediato julgar-se, Jesus, O Cristo, não era "cristão". ser "cristão" é uma construção posterior, um desenvolvimento. nem sei se Jesus, O Cristo, professaria hoje a religião que lhe é atribuída, ou se a desancaria com a mesma ferocidade com que - diz-se - se atirava aos fariseus. é que o mundo de hoje é de um farisaísmo global, incluindo o "cristianismo" que chegou até nós. agradam-me todos os textos que tragam a figura de Jesus, O Cristo, para um terreno mais humano, mais real, mais vivo. e têm, pelo menos o encanto de desencantar vida de uns restos fósseis. sinto-me sempre mais cristão quando estes textos aparecem. talvez por já estar cansado dos outros.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

isto foi assim

bom
isto foi assim
deu-me o sono
dormi
e caí dentro de mim
e quando dei conta
vi que sou feito
de mil coisas que voam
que não existem
que se mexem
e falam
e gritam
coisas assim sem matéria
acompanhadas de dor ou de prazer
ou de nem uma coisa nem outra
acordei
e voltei a ser
uma coisa que ocupa espaço
fim.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

os dois livrinhos

às vezes ainda há coisas que nos surpreendem. um paciente, com, pelos vistos, uma habitual dificuldade em ser entendido nos difíceis enredos existenciais, ofereceu-me dois livrinhos autobiográficos. estou a lê-los. surpreende-me a leveza do estilo, sem pontuação nem acentos nem maiúsculas, mas incisivo e belo. seguem a nova ortografia. 
embora pequenos, os livrinhos são riquíssimos em pormenores do quotidiano. posso "ver" a casa, os móveis, os aparelhos domésticos, o preço das coisas e dos serviços, o entrar e sair de técnicos, empregados e empregadas. posso "sentir" a mente por vezes lúcida, por vezes transviada, por vezes enredada em cogitações e perceções invulgares. 
valem os dois livrinhos por mil conversas. 
aliás, a oferta, aparentemente, terá resultado da minha confissão de que teria que o conhecer melhor, que uma entrevista apenas não me permitia tirar grandes conclusões. mas talvez já tencionasse dar-mos. de outro modo, como os teria prontos a oferecer? 
tenho lido muita coisa dos meus pacientes. mas nada se compara ao realismo, rigor e beleza destes dois livrinhos.

segunda-feira, 24 de março de 2014

o cúmulo

Teodora Cardoso, a inefável presidente do Conselho de Finanças Públicas, sugere a criação de um "imposto sobre a despesa", ou seja, os salários e pensões seriam pagos para uma conta poupança e sempre que haja um levantamento de dinheiro, zás! uma taxa... 
esta senhora deve pensar que as pessoas têm uma árvore das patacas de onde tiram o dinheiro para as suas necessidades básicas, e que só vão ao salário por, sei lá, por mera vontade de gastar dinheiro ou por mera alegria de viver, não sei. 
o salário é um extra. talvez o dela seja. acredito. 
e é esta espécie de cromos que nos governa, ou manda em quem governa, ou influencia quem governa.
é esta coisa abaixo de estupidez, muito acima de nojo. 
talvez seja apenas um sonho mau. mas desconfio que não.

a propósito: que diabo de funções têm os cinco membros deste augusto Conselho de Finanças Públicas, que custam ao Estado 6 milhões de euros por ano?

sábado, 8 de março de 2014

o homem das ofertas

estou em pé, encostado ao meu carro. chega um sujeito de carro, matrícula espanhola, abre o vidro direito e cumprimenta-me efusivamente:
- então que fazes por aqui?
- estou à espera da minha mulher...
- e onde está ela?
(desconfio...)
- está ali dentro...(aponto para a loja em frente).
o sujeito parece-me alguém vagamente conhecido. já conheci tanta gente, que enfim...mas ele dá conta da minha dúvida:
- não me estás a reconhecer...sou fulano assim assim, engenheiro, estive em Angola e agora estou à frente do C....se precisares de alguma coisa é só dizeres. passa por lá, tenho umas ofertas para ti. fica com o meu número de telemóvel.
saca de um embrulho, desses de aparelhos elétricos e eletrónicos:
- olha tenho aqui isto para ti, é uma máquina de barbear e tem cabeças... [qualquer coisa, que não entendi]. agradeço e preparo-me para me ir embora.
- olha, que internet é que tens? é que eu tenho aqui uma box universal e para toda a vida. não pagas nada, toda a vida.
digo-lhe que acabei de mudar de operadora, muito obrigado. põe-me a box na mão. mais um embrulho eletrónico.
- tens só que pagar 187 euros.
- como assim?
- são 187 euros. que dinheiro tens aí? e não tens cartão multibanco?
- não, não tenho dinheiro, nem cartão multibanco. adeus, vemo-nos por aí, um dia destes.
chega a minha mulher.
o cavalheiro arranca-me as "ofertas" da mão e vai-se embora.
e esta?